Autor

Isabella Torquato

Azul. Azulejos.

Fotografia: Katiuscia Dier Francisco 

Azul. Azulejos. Assim foi feita a minha infância de passeios solitários pela cidade.
Os azulejos estendidos pelas fachadas das casas inebriavam meus pensamentos que nada sabia de lápis lázuli, mundo árabe, Mesopotâmia, Andaluzia. Tudo muito distante de Imbituba, só não os azulejos que de cores diversas e formatos que o caos e a força de quebrar podem dar a uma arquitetura feita de incontáveis pedacinhos de um azulejo que não deu certo nas suas medidas e lisuras ou, que talvez tenha escorregado da mão do operário ou ainda, algum deslize da máquina da Industria Cerâmica da cidade.

Um ano antes de meu avô nascer, em 1919, o espírito econômico nacionalista já fervia, e é, neste “zeigeist”, que a Industria Cerâmica Imbituba S/A – ICISA – é criada por Henrique Lage com o propósito de fabricar louças para os navios passageiros de sua Organização que passeavam pelo Atlântico entre Rio de Janeiro, Imbituba e Porto Alegre.

Os azulejos de Henrique Lage chegaram até o meu banheiro e àquela casa da rua do túnel, entre outras fachadas revestidas de brilho e frescor, por meio da história de Henrique Lage descender da exploração de uma geografia marítima que abriu, entre outras oportunidades, para a manifestação de uma cultura que saiu do Oriente Médio e veio transformando o caminho por onde passou.

A história desta pedra lisa, que tem seu papel fundamental na construção histórica, social, econômica e cultural de Imbituba, tem início na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates numa região rodeada por mares: Negro, Cáspio, Vermelho e Golfo Pérsico. Água em abundância há por lá; de modo que era necessário proteger as construções da ação erosiva da umidade. E não é para menos. O Portão de Ishtar, um dos oito portões que levavam à Babilônia e, de status de maravilha do mundo, foi construído cinco séculos antes de Cristo com o ascendente do azulejo, o tijolo esmaltado e vitrificado que, contrariando a etimologia da palavra azulejo, cuja origem é al-zulaij, do árabe e significa pedra lisa, este primitivo azulejo era em relevo.

Imbituba tem o Atlântico. E nada mais empreendedor e apropriado que deixar de fabricar louças a fim de fabricar azulejos ao clamar sua função de origem: proteger as construções da corrosiva umidade e salinidade que são elevadas por aqui.

O que seria de meu passeio sem os azulejos na arquitetura da cidade? Apenas outro. Talvez feito de sambaquis, talvez feito de mar. Mas este é feito dos incontáveis caquinhos lisos que me levaram a imaginar o trabalho do pedreiro em colar um a um na fachada da casa. Vim a saber que destes inúmeros pedacinhos eram feitos os Azulejos de Placa por mãos de crianças, mulheres e homens que queriam ganhar um troco para o picolé ou para ajudar nas despesas da casa. Eles ganhavam um tabuleiro, os cacos de azulejo, papel e cola. E, como num quebra-cabeça, se ajeitavam primeiramente os cantos e as bordas e depois, de pedacinho em pedacinho, se criava mais que uma azulejaria peculiar e própria, as ruas da cidade também ganhavam uma identidade .

Na fábrica, era função feminina avaliar a perfeição do azulejo. Depois de uma observação minuciosa, da lisura e da frieza passar por suas mãos, um martelinho, uma batida e um som: estava determinado o rumo do azulejo. A força do agudo o levaria para longe, atravessaria mares e estradas. As esparsas ondas sonoras do grave o deixariam na cidade, em forma de cacos, construindo uma nova paisagem urbana.

Em um tempo em que não existia conceitos como reciclagem ou sustentabilidade, a presença desta azulejaria na arquitetura de Imbituba se deve a um destino que se opõe ao desperdício, e ao desperdício do esforço e da coragem de muitos trabalhadores invisíveis que ganharam o podium na categoria onírica da minha imaginação.

Texto por Katiuscia Dier Francisco

Fotografia: Katiuscia Dier Francisco 

Nenhum comentário:

Postar um comentário